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A questão do sintoma (Psiquiatria e Psicanálise)

Escrito por: Arthur A. Abrahão

Para falar sobre o diagnostico psiquiátrico achei por bem dividir o assunto em três partes, a saber, Formação do profissional, Discurso Médico e Diagnóstico.
    A formação do profissional é baseada em um reducionismo conceitual que invariavelmente se transfere para prática clínica, é fácil observar que existe uma desvalorização do encontro terapêutico resultado em  parte pela concepção objetivista da clínica e da força dos interesses econômicos dos financiadores dos serviços de saúde, que se compreende desde os  poucos recursos transferidos do plano de saúde aos profissionais até a disponibilidade do usuário em se tratar.
     O psiquiatra Leon Eisenberg, do Departamento de Medicina Social da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, comenta a formação do psiquiatra americano: “Os psiquiatras nos Estados Unidos estão passando menos tempo com cada paciente, oferecendo psicoterapia com menos frequência, e prescrevendo drogas mais frequentemente que há 10 anos. Os programas de treinamento de residência estão estreitando seu foco aos diagnósticos e algoritmos do DSM-IV para a prescrição de remédios; bem menos ênfase é dada ao aprendizado de como colher as histórias dos pacientes e fazer psicoterapia; o cuidado psicológico em saúde mental está sendo entregue a assistentes sociais e conselheiros, com o objetivo de diminuir custos.”
     O discurso médico passou a induzir os indivíduos a crerem em determinadas formas de se viver, pensar e se comportar. Há implícito no discurso médico um ideal. O discurso médico está presente por todo o tecido social devido a facilidades com o qual ele se propaga pela mídia, muitas vezes sustentada pelos laboratórios. Desta forma os sujeitos vão se formando e se moldando de acordo com o saber médico.
    Em seu livro “A psiquiatria no Divã”, Adriano Aguiar comenta: “O próprio viver passa a ser capturado pelo discurso biomédico: qualquer tristeza comum passa a ser vivenciada como um sinal de depressão. No limite, desaparece até mesmo essa separação fluida entre tristeza e depressão: a tristeza passa a ser vivida como uma queda de serotonina; ou seja, sujeitos e sociedades passam a viver seus problemas existenciais como sendo alterações de substâncias químicas do cérebro, e buscam solucionar tais problemas recorrendo exclusivamente aos psicotrópicos.” Adriano Aguiar completa: “A psiquiatria contemporânea segue a mesma tendência das outras ciências da vida, isto é, que se pode agir sobre a natureza criando formas de vida artificiais.”
    O Diagnóstico. A partir do DSM-III publicado em 1980, os diagnósticos dos transtornos mentais passaram a ser definidos através dos sintomas possíveis de serem observados. O DSM se transformou em um sistema que padroniza diagnósticos sindrômicos, feitos com base em sintomas observáveis,  cujo os processos patológicos de base são totalmente desconhecidos e não diagnósticos nosológicos, onde a relação do sintoma com os processos de vida e a experiência subjetiva do paciente são levados em consideração.
    Se define a patologia na psiquiatria moderna como um conjunto de sinais e sintomas fazendo-se pensar que o que deve ser tratado são os sintomas e não o sujeito. O sintoma deve ser eliminado e não o sujeito tratado em sua singularidade.
   
 O Sintoma na Psicanálise

    Enquanto que na psiquiatria temos um discurso biológico e científico, na psicanálise o discurso passa a ser linguístico. Os Sintomas na psiquiatria se agrupam em síndromes, na psicanálise como define Freud (1926) é a formação de compromisso entre as representações recalcadas (afastadas da consciência) do desejo inconsciente e as exigências defensivas.
    Para Freud, um sintoma é essencialmente uma satisfação substitutiva de um desejo não realizado, um substituto de algo recalcado, uma satisfação que volta a consciência de forma deformada e irreconhecível.
    Através da escuta analítica,  Freud foi capaz de demonstrar que o sintoma tem um sentido, um sentido desconhecido para o sujeito, inconsciente, o sintoma diz alguma coisa e vai mais além, ele serve a fim de satisfazer um desejo recalcado, uma satisfação reconhecida pelo sujeito como um sofrimento. O sintoma é um lugar paradoxal onde o sujeito tem sua satisfação e ao mesmo tempo seu sofrimento.
    O sintoma no discurso médico de nada tem de poético, não quer dizer nada para além dele mesmo, o discurso linguístico psicanalítico nos mostra que o sintoma se forma através de dois mecanismos, a saber, o mecanismo de condensação (metáfora)  e o de deslocamento (metonímia). Através destes mecanismos o desejo do sujeito se camufla provocando um engodo na consciência podendo ser parcialmente satisfeito.
    Em sua segunda tópica Freud mostra que o Ego (porção organizada do id) demonstra sua força pelo ato de recalcamento e ao mesmo tempo sua fraqueza, pois, como conseqüência a esse processo surge o sintoma onde a libido insatisfeita encontra uma satisfação substituta. Para Freud (1926) “O processo mental que se transformou em um sintoma devido ao recalcamento mantém agora sua existência fora da organização do Ego e independentemente dele”. Devido à necessidade de síntese e unificação o Ego incorpora o sintoma em sua organização tirando proveito dele e tendo como resulta o que chamamos de ganho secundário. Freud (1926) afirma que, “esta recuperação vem em ajuda do ego no seu esforço para incorporar o sintoma, e aumenta a fixação deste último”, garantindo sua persistência.
    A pesquisa de Freud afirma que os sintomas tem um sentido capaz de serem decifrados como as demais formações do inconsciente, Lacan (1953) em seu texto  “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise” aborda a questão a partir da linguística estrutural e define o sintoma como “o significante de um significado recalcado da consciência do sujeito”, e afirma que “O sintoma se resolve por inteiro numa análise linguageira, por ser ele mesmo estruturado como uma linguagem, por ser a linguagem cuja fala deve ser libertada”.
    Diferente da terapia medicamentosa que busca a remissão dos sintomas, o processo de análise, opera sobre o inconsciente dando prevalência ao sintoma, escutando o sintoma, buscando decifrá-lo.
É através da associação livre, nas entrelinhas que se situa a verdade do inconsciente. A fala, ao ser libertada “fala plena” (Lacan, 1953), verdadeira deixa escapar, para além do vazio de seu dizer, o apelo do sujeito à verdade, que já está inscrita em alguma parte no inconsciente.
     Através da psicanálise, o sintoma revela não a verdade da doença, mas a verdade do sujeito do inconsciente, uma vez que busca apreender no sintoma o desejo inconsciente indestrutível. 

Bibliografia

AGUIAR, A.A. A psiquiatria no divã: entre as ciências da vida e a medicalização da existência. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2004.
Freud, S.. Inibição, sintoma e angústia. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas. (Vol. XX). Rio de Janeiro: Imago. 1926
Lacan, J. Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise. Em Escrito. (pp. 238-324). Rio de Janeiro: Jorge Zahar. 1953.

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